Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Na última quarta-feira, dia 11, o Cine-clube Joaquim Pedro de Andrade, do Sinpro Minas, recebeu a cineasta gaúcha Ana Luiza de Azevedo* para exibir e comentar dois curtas de sua autoria:
Dona Cristina Perdeu a Memória (2002) e Ventre Livre (1994)
O primeiro trata essencialmente da velhice e suas implicações físicas e sociais. Uma senhora se vê isolada da família e da sociedade ao perder a memória e ser internada em um abrigo. Mas consegue recuperar sua sociabilidade e memória afetiva na relação com um garoto vizinho da casa onde se encontra. O filme retrata lindamente as profundezas das relações humanas que se estabelecem para além das convenções familiares e sociais.
O segundo filme, Ventre Livre, teve muito impacto e suscitou debate na platéia. O documentário, produzido à época da Conferência Mundial das Mulheres da ONU - Beijing - 1995, aborda de forma bastante lúcida o tema da condição feminina nas políticas públicas voltadas para a reprodução humana. O filme retrata a profunda desigualdade de classe do Brasil que joga a maioria das mulheres brasileiras na desinformação e no descaso das instituições de saúde pública, ocasionando a gravidez precoce, a esterilização enganosa e os abortos de alto risco.
Como era de se esperar, o debate sobre o aborto ferveu na platéia e algumas questões ficaram para reflexão. Percebe-se um certo amadurecimento da questão, pelo menos em alguns meios, no sentido de alcançar um novo patamar do debate. A questão fundamental não é ser contra ou a favor do aborto, criando uma linha abissal entre grupos que no fundo tem o mesmo senso de respeito à vida e responsabilidade com a saúde da mulher e dos bebês. Mas sim a luta pelo direito democrático de expressar sua opinião e decidir livremente por qual caminho seguir.
Tema sempre em voga nestes debates é a estrondosa força da Igreja, católica principalmente, que o filme aborda de maneira muito sagaz ao dar a palavra a uma missionária favorável ao aborto. Isto demonstra que o discurso em torno do papel da Igreja parece jogar uma cortina de fumaça sobre outro aspecto fundamental. Qual seja, a fraqueza da sociedade civil e sua pressão sobre um Estado de direito correspondentemente fraco e passivo em relação ao aborto. O fortalecimento da sociedade civil e o seu amadurecimento para uma estratégia democratizadora e não doutrinadora, seja contra ou a favor do aborto, poderá resultar em uma situação em que o Estado será percebido como um flagrante obstáculo ao exercício democrático de suas cidadãs de fazerem suas escolhas religiosas, morais e reprodutivas.
*A cineasta, assim como Jorge Furtado, é uma das diretoras da Casa de Cinema de Porto Alegre, que tem produzido filmes como O Homem que copiava (2003), Meu tio matou um cara (2004), Saneamento Básico (2007).