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Mirela e o Dia Internacional da Mulher é um livro destinado ao público infantojuvenil e dedicado à luta pela igualdade.
No livro, Mirela é uma menina sabida que, ao se ver diante do desafio de um trabalho escolar sobre o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, vai buscar as origens da data e conta uma linda história sobre seu surgimento.
A inspiração para escrevê-lo veio das minhas filhas, Helena e Gabriela, que desde muito novas convivem com enormes encantamentos, questionamentos e dúvidas sobre diversos aspectos da condição feminina.
O texto do livro foi amorosamente elaborado a partir da observação sobre as reflexões que as crianças fazem sobre este tema. A história da Mirela poderá trazer para o universo infantojuvenil uma perspectiva emancipacionista e libertária do papel da mulher na sociedade. Tema tão importante nos dias atuais.
Este projeto tornou-se possível até aqui pelo inestimável envolvimento da Editora Lacre do Rio de Janeiro, através da liderança de sua editora Flávia Portela e o engajamento da ilustradora Vanja Freitas, que deu vida à pequena Mirela e beleza às páginas do livro.
Com o livro em mãos vamos dialogar com meninas e meninos sobre esta data, que felizmente está a cada ano mais relembrada e trabalhada nas escolas.
Neste momento estamos em uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar o livro e com o seu apoio, o projeto se tornará possível.
Doe no www.catarse.me/mirela
Brasília é uma jovem capital nacional de um grande país. Entre os países da América Latina é a mais nova capital, deixando bem para trás San José, capital da Costa Rica, que se tornou sede do governo em 1823. Seu perfil modernista e contemporâneo convoca à imaginação, à criatividade, ao libertário, à invenção transgressora do convencional. Terreno propício para a elaboração e profusão cultural, paradoxalmente Brasília é hoje a capital brasileira da resistência cultural.
Às vésperas da maior festa popular do “país do carnaval”, sua capital vive interessantes dilemas, tais como o “não me deixe ser quem eu sou”, “não me deixe expressar quem sempre fui”, “não sou capital do Brasil, mas da Suíça”, “não somos o país da música, mas do barulho”, “como assim carnaval não tem hora pra terminar?”, “de onde saíram tantos bagunceiros e foliões?”, “é preciso calar quem tem o que cantar” e por aí vai o show de despropérios de quem tenta enjaular o som e a voz de seu povo.
Os gestores públicos do Distrito Federal encontram-se nesta grande encruzilhada em que os próximos passos serão definidores para a saúde cultural desta jovem cidade que está “se descobrindo uma grande foliã”, segundo as palavras do Secretário de Cultura Guilherme Reis**. O governo pode se render ao imperativo do silêncio de cemitério da aristocracia da corte ou abrir caminhos democráticos e dar garantias para a expressão de seu potencial cultural em todas as suas facetas, sem segregação, repressão ou sufocamento***.
A principal arma dos que tentam enquadrar a música e a folia tem sido a Lei 4092/08, também conhecida na cidade como a Lei do Silêncio ou do Silenciamento pra ser mais fiel à realidade. Como bem alerta o movimento de resistência cultural “Quem desligou o som?”****, se a lei do silêncio for seguida em Brasília neste carnaval, não haverá carnaval no DF, assim como se a lei fosse cumprida no réveillon, os super eventos do governo não poderiam ter ocorrido. Este e outros grupos, além de artistas e militantes do setor cultural, tem sido a ponta de lança da resistência cultural de Brasília.
A resistência não é diferente nas demais regiões do Distrito Federal, para além do circunscrito Plano Piloto. Talvez no entorno a tensão seja ainda mais latente, por ser estrutural e histórica. A lógica concêntrica da capital facilita a invisibilização da produção cultural que está para além da cidadela. A falta de apoio, estímulos, recursos e reconhecimento de sua expressão cultural é gritante. Talvez o sociólogo português Boaventura Santos encontrasse aqui um rico caso para aplicação de sua sociologia das ausências, destinada a investigar o que propositalmente não existe por ser produzido como tal e para não figurar como alternativa*****.
Resta refletir que é também nos grandes embates que se forjam identidades. Nenhuma cidade nasce pronta. A brasilidade de Brasília não pode ser apenas atributo do nome. Não dá pra esconder sua gente embaixo do tapete, isolar e sufocar seu som, descontinuar seus encontros, enquadrar sua espontaneidade, capitalizar a desesperança como o atrativo da não-cidade, da não comunidade. Não dá pra plastificar o cartão postal e pensar que será possível conviver sem viver plenamente no tom, no som, na cor e na alegria da gente brasileira que justifica esta cidade.
* Socióloga e Cientista Política. Assessora Internacional na Câmara dos Deputados.
** https://www.facebook.com/guilherme.reis.355/posts/1137563176261753
*** Lembremos do alarmante dado de quase uma dezena de terreiros de candomblé e umbanda atacados em 2015, fora uma das estátuas de Orixás na prainha do Lago Paranoá.
**** https://www.facebook.com/quemdesligouosom/photos/a.402602013217525.1073741828.401913316619728/756392214505168/?type=3&theater
***** https://rccs.revues.org/1285
Pegue um monte de jovens inteligentes, conectados e bem intencionados moradores dos grandes centros urbanos do Brasil.
Use a grande mídia para ressoar suas justas reivindicações por melhoria da qualidade de vida, especialmente nas grandes cidades, direitos básicos e ampliação do acesso a bens de consumo.
Incentive a profusão de propostas sem ordenamento ou método de exposição, fazendo com que todas pareçam ser importantes no mesmo nível e passíveis de serem ajustadas ao sabor dos ventos. O importante é propor, sem medir consequências.
Refresque na memória da garotada o mantra anti-política e anti-partidos que seus pais entoaram em seus ouvidos, desde o berço, no calor da queda do muro de Berlim e ao longo da neoliberal década de 90.
Desperte o que ainda há de mais conservador nas salas de estar da família brasileira e prometa sua redenção com a extinção dos vermelhos ateus que estão ocupando o governo central.
Acene para eles com neologismos políticos: "democracia de alta intensidade", "Estado mobilizador" e "incidência da sociedade civil" como componentes de um programa mudancista de poder.
Escolha para representar este programa alguém que "não tem partido", “não queria ser candidato”, "não obedece à hierarquia", "não tem programa fechado", "governa com todos" e abomina os métodos leninistas de organização política e tudo que remeta à "velha política". Afinal, a “nova política” é horizontalista...
Faça os acreditar que a “nova política” é financiada por muitos que contribuem com pouco e não por poucos que contribuem com muito. E se há os que contribuem com muito é porque são empresas ungidas por serem vocacionadas pelo “social” e o “desenvolvimento sustentável”, quase filantrópicas...
Transmita tudo ao vivo e espetacularmente pelos grandes meios de comunicação e você terá uma adesão “espontânea”, massiva, comovida e quase embriagada por algum tempo...
***
Como o tempo da política é próprio, não se sabe a durabilidade do engodo.
Por algum motivo, as datas redondas nos ajudam nas reflexões. Fazem-nos vislumbrar a história em perspectiva, com alguma noção de onde estamos em relação a onde já estivemos na linha de desenvolvimento das sociedades humanas.
Em 2014, no Brasil, lembram-se os 50 anos do acontecimento do Golpe Militar de 1964 e os 90 anos do início da Coluna Prestes. Ambos movimentos liderados por militares brasileiros, mas com perspectivas antagônicas.
A diferença brutal entre a ação militar insurgente do início do século e a da década de 60 está muito bem representada na música, na poesia e na literatura brasileira.
Sobre a Coluna Prestes, diz o cordel:
“Nos anos vinte o que muito se via
era a Coluna Prestes pelo Brasil
combater retrógradas oligarquias
deitadas no berço explêndido varoníl
Combatendo tantos tipos de esquemas
a Coluna nas cidades, zonas rurais
denunciava os anacrônicos sistemas
e pregava reformas políticas, sociais
Quem quiser ter noção do incrível
basta pesquisar o que aconteceu
A Coluna Prestes foi imbatível
nem de longe uma batalha perdeu
E se não derrubou os governantes
da República Velha desse Brasil
deixou marcas profundas, marcantes
conscientizando a sociedade civil”
(Jetro Fagundes) **
Já sobre o Golpe de 64, diz outro cordel:
“A revolução redentora
Dos milicos do Brasil
Não aconteceu em março
E não foi nada varonil
Tendo como data histórica
Um primeiro de abril
Temendo uma revolução
De caráter comunista
Uma gente bem fardada
E totalmente entreguista
Botando tropas na rua
Passou o país em revista
E depois o que se viu
Foi uma triste aventura
Em que a vida democrática
Sob os ferros da tortura
Conheceu de perto a dor
Que brotou da ditadura
E foi assim desse jeito
Com tanta proibição
E muita gente sumida
Sob brutal repressão
Que um golpe militar
Se chamou revolução
E foi proibido pensar
Pensamento diferente
Do que pensavam as fardas
De um general ou tenente
Que criaram no país
Situação tão deprimente”
(Silvio Prado) ***
Para além do fato de serem oriundos das forças armadas, em quase tudo contrasta a diferença entre os líderes da Coluna (1924) e os líderes do Golpe (1964):
Os primeiros eram jovens de espírito libertário, os segundos eram senhores conservadores.
Os combatentes da Coluna se embrenharam para o interior do país, os golpistas de 64 tomaram posse do centro do poder.
Os primeiros arregimentavam pelo convencimento, os segundos pela coação e a força bruta.
Os líderes da Coluna são cantados como heróis, os da Ditadura como algozes.
Os jovens tenentes pregavam as reformas, os generais massacraram as reformas.
Se a Coluna era perseguida, a Ditadura perseguia.
Se a grande marcha suscitou comoção popular, os anos de chumbo tentaram calar o povo.
A primeira foi cantada, a outra foi cuspida.
Uma é pra comemorar, a outra é pra deplorar.
A Coluna é: inspiração dos revolucionários; a Ditadura é: nostalgia dos conservadores.
A primeira foi alento, a segunda foi dor.
Felizmente, a Coluna ficou invicta e a Ditadura foi derrotada.
*** http://tributoaocordel.blogspot.com.br/2012/03/sobre-o-golpe-militarpela-verdade.html
"Os Comunistas... Passaram bastantes anos desde que ingressei no Partido... Estou contente... Os comunistas constituem uma boa família... Têm a pele curtida e o coração valoroso... Por todo o lado recebem pauladas... Pauladas exclusivamente para eles... Vivam os espiritistas, os monárquicos, os aberrantes, os criminosos de vários graus... Viva a filosofia com fumo mas sem esqueletos... Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva toda a gente menos os comunistas... Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos... Vivam os piolhos das populações miseráveis, viva a força comum gratuita, viva o anarco-capitalismo, viva Rilke, viva André Gide com o seu coribantismo, viva qualquer misticismo... Tudo está bem... Todos são heróicos... Todos os jornais devem publicar-se... Todos devem publicar-se, menos os comunistas... Todos os políticos devem entrar em São Domingos sem algemas... Todos devem festejar a morte do sanguinário Trujillo, menos os que mais duramente o combateram... Viva o Carnaval, os derradeiros dias do Carnaval... Há disfarces para todos... Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema-esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas... Mas, cuidado, não deixem entrar os comunistas... Fechem bem a porta... Não se enganem...
Não têm nenhum direito... Preocupemo-nos com o subjectivo, com a essência do homem, com a essência da essência... Assim estaremos todos contentes... Temos liberdade... Que grande é a liberdade!... Eles não a respeitam, não a conhecem... A liberdade para se preocupar com a essência... Com a essência da essência...
... Assim passaram os últimos anos... Passou o jazz, chegou o soul, naufragámos nos postulados da pintura abstracta, abalou-nos e matou-nos a guerra... Deste lado tudo continuava igual... Ou não continuava igual?... Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas matracadas na cabeça, alguma coisa continuava mal... Muito mal... Os cálculos tinham falhado... Os povos organizavam-se... Prosseguiam as guerrilhas e as greves... Cuba e o Chile tornam-se independentes:.. Muitos homens e mulheres cantavam A Internacional... Que estranho... Que desconsolador...
Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América... É preciso tomar medidas urgentes... É preciso proibi-lo... É preciso falar mais do espírito... Exaltar mais o mundo livre... É preciso falar dar mais matracadas... É preciso dar mais dólares... Isto não pode continuar... Entre a liberdade das matracas e o medo de Germán Arciniegas... E agora Cuba... No nosso próprio hemisfério, na metade da nossa maçã, estes barbudos com a mesma canção... E para que nos serve Cristo?... De que maneira nos têm servido os padres?... Já não se pode confiar em ninguém... Nem nos próprios padres... Não vêem os nossos pontos de vista... Não vêem como baixam as nossas acções na Bolsa...
... Entretanto trepam os homens pelo sistema solar... Ficam pegadas de sapatos na Lua... Tudo se esforça por mudar, menos os velhos sistemas... A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranha medievais... Teias de aranha mais duras que os ferros das máquinas... No entanto, há gente que acredita numa mudança, que praticou a mudança, que fez triunfar a mudança, que fez florescer a mudança... Caramba!... A Primavera é inexorável!"
Pablo Neruda, in "Confesso que Vivi"
Hoje ela faz aniversário! A vó mais linda e querida que pode haver! Ela é a cara de muitas Marias do Brasil. Ela é o carinho de inúmeras avós. Ela é a garra de um sem fim de militantes. Ela é a humildade de muitas sábias. Ela é a alegria dos que sabem viver melhor. Ela é o colorido das nordestinas. Ela é a luz das comunistas que olham para o futuro, sempre.
"- Quero lasanha.
Aquele anteprojeto de mulher – quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia – entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
- Meu bem, venha cá.
- Quero lasanha.
- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
- Não, já escolhi. Lasanha.
Que parada – lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
- Vou querer lasanha.
- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
- Gosto, mas quero lasanha.
- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?
- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
- Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
- Você come camarão e eu como lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
- Quero uma lasanha.
O pai corrigiu:
- Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:
- Moço, tem lasanha?
- Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
- O senhor providenciou a fritada?
- Já, sim, doutor.
- De camarões bem grandes?
- Daqueles legais, doutor.
- Bem, então me vê um chinite, e pra ela… O que é que você quer, meu anjo?
- Uma lasanha.
- Traz um suco de laranja pra ela.
Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
- Estava uma coisa, heim? – comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. – Sábado que vem, a gente repete… Combinado?
- Agora a lasanha, não é, papai?
- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
- Eu e você, tá?
- Meu amor, eu…
- Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultra-jovem.”
Fonte: Carlos Drummond de Andrade in: O Poder Ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso, 1972.
Lendo crônicas do Drummond para as minhas filhas, descobrimos esta. Já lemos várias vezes e sempre rimos muito. É bom pra perceber como, desde pequena, é difícil ser uma mulher que sabe o que quer.
Hoje ele faria 111 anos, Carlos Drummond de Andrade. Dele:
Cortar o tempo
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente